Penso sempre nisto: que é mais fácil para quem parte (se é que parte para lado algum). Quem fica vivo é que morre. Um pedaço de cada vez. Uma pessoa de cada vez.
Eu já morri por duas vezes. A primeira tirou-me um pedaço gigante. Levou-me uma parte da infância, um colo, viagens de Verão e parceiro para jogar às damas. Nunca mais fui encher os garrafões de água à fonte. Da segunda vez morri menos, mas morri muito naquele abraço interminável de quem morreu inteiro ao ver a sua alma gémea partir.
O autocarro estava muito atrasado e ela não podia esperar mais. Então, mesmo debaixo daquele calor surdo às queixas da velhota sentada à sombra, pôs-se a caminho. Desejou ter calçado saltos altos. Ninguém a percebia, porque é suposto os rasos serem tão mais confortáveis. É que os saltos altos marcam compasso e pontuam a caminhada. E têm o conforto da beleza, que ela tanto quer fingir.
Foi quase sem reparar que reparou. Talvez tenha virado a cabeça para sacudir o cabelo que lhe passeava nos ombros. E viu a entrada para a rua dela. Já não era a rua dela, na verdade. Mas foi por muitos anos. A rua onde reconhecia a porta e subia até ao último andar para o apartamento velho que chamou de casa por uma década. Que partilhou com uma amiga, com ninguém, com a irmã, com o seu amor. Onde recebeu amigos para verem sentados no chão o Portugal x Inglaterra do Euro 2004 e comerem bacalhau com natas como a mãe lhe tinha ensinado a fazer. Onde levou rapazes diferentes para beijos diferentes e desilusões diferentes. Onde chorou, sorriu, deseperou, foi feliz.
Pensou nisto tudo naquela fração de segundo em que reparou na rua. Talvez tenha virado a cabeça para sacudir o cabelo que lhe passeava nos ombros. O calor não dava descanso e ela não dava descanso aos sapatos rasos, que deviam ter salto alto, para lhe marcar o compasso e pontuar a caminhada. Já estava atrasada. Que a vida não pára.
Ontem enviei-lhe as tais fotos em topless da Sara Sampaio. Ele gosta da moça e eu prefiro que ele cultive paixões impossíveis do que por uma vizinha do lado.
Ao fim do dia comentei as fotos com ele. E ele diz que ela tem um peito até pequenino, que é parecido com o meu. Ele acha que o meu peito é parecido com o da Sara Sampaio! Hahahaha. A minha copa A mal cheia parecida com a de uma Angel da Victoria's Secrets. O amor é cego, minha gente. E ainda bem.
[escusado será dizer que se acabam assim as inseguranças relativas a este post]
De uma vez por todas: MEDO E RECEIO SÃO SINÓNIMOS. É porque as sílabas são mais harmoniosas que vos parece um sentimento mais nobre? Tem mais letras, logo deve ter mais dignidade?
É que nem há que ter vergonha de ter medo. Ou receio, vá.