Não quero ninguém cá em casa sem eu saber. Nem escondidas atrás do sofá para me gritarem parabéns ou "surpresa". Guardo coisas terríveis atrás do sofá.
Não quero ninguém que seja de longe e passe a Lisboa de propósito para me agradar. Posso ter planos, sabem?
Não quero chegar a um restaurante a achar que vou manjar a dois e apanhar lá uma receção de umas dezenas. Às vezes tudo o que uma pessoa precisa é sossego, conversas em voz baixa, nenhum sorriso, com a pessoa com quem quis estar.
Uma vez um rapazinho tentou fazer-me uma surpresa. Foi buscar-me aos Expressos sem eu saber, no meu regresso a Lisboa. Já não me lembro se não se entendeu com as linhas do terminal ou se o meu autocarro chegou antes, mas não o vi nem ele a mim. Sei que me ligou já eu tinha chegado a casa para me contar da (pseudo-)surpresa e que nos tínhamos desencontrado. Mas - surpresa! - estava lá em baixo para me ver. Não o convidei para subir. Fui à entrada do prédio e dispensei-o, dando instruções para não repetir a brincadeira. Para verem o que eu gosto de surpresas.
Estão a ver o típico homem das obras, com o lápis atrás da orelha, que se baixa e fica com o traseiro descoberto? Veio hoje um assim cá a casa ver de um problema. O toque de telemóvel dele é a música She, do Elvis Costello.
Não deixem de visitar a parte 1, 2 e 3 desta crónica (todas de enfiada nesta página) - ou se já viram prossigam com a leitura, por favor. Ia eu a dizer que tínhamos ficado no Hotel Ibis Budget Madrid Las Ventas, logo ao pé da estação do metro de La Carmen. Quartinho simples e moderno, a dar para o gasto e pequeno almoço a 4,5€ (afinal não estava incluído). A zona é a mais feia de todas onde passámos, mas ainda assim a cinco minutos a pé de um dos sítios que queríamos ver ao vivo - a Praça de Touros. E se pensam que há discórdia por causa de se ser contra ou a favor das touradas, é porque ainda não sabem a história desta foto.
Quis que o Moço me tirasse uma foto exatamente assim como esta que lhe tirei a ele. Depois de dez minutos ao vento e muitas indicações "chega-te para cá...mais...mais..." só havia fotos que não apanhavam o edifício ou apanhavam só com o crutinho da minha cabeça a aparecer. "Não é fácil tirar como queres, se consegues melhor, faz tu". Peguei na máquina, tirei-lhe esta foto em 2 segundos. E o fotógrafo (amador) é ele...
Mas adiante. Começamos a manhã no Parque do Bom Retiro, chamado simplesmente de El Retiro, que tinha sido um dos spots mais aconselhados para passear e de facto valeu a pena. Não é que o Palácio de Cristal, o lago principal, a estátua do Anjo Caído não sejam dignos de nota, mas o verdadeiro destaque vai para a vida que o parque tem num Domingo de manhã. As pessoas passeiam em família, correm, andam de bicicletas, decorrem aulas de patinagem em linha, há grupos de pessoas a fazerem yoga, enfim...Por um lado dá vontade de fazer o mesmo, aproveitando os espaços verdes da nossa cidade, por outro lado, só pensava: "mas esta gente é doida? com esta ventania [no parque o vento não se fazia sentir, é certo] saem de casa e vêm para aqui mexer-se em vez de ficarem debaixo de uma manta a ler e a tomar um pequeno almoço tardio e preguiçoso?". Este tipo de pensamento é um dos motivos pelos quais sei que serei obesa assim que o meu metabolismo perceber que já tenho 30 e começar a dar de si. Vejam lá todas as fotos do Parque, clicando na setinha.
A seguir fomos à estação de Atocha, que também puderam espreitar aí no segundo carrosel de fotos. Gostei muito. O edifício principal é imponente e tem um jardim botânico no meio com tartarugas ninja. Parámos para beber um café só porque estava mais frio que no dia anterior (onde tinhamos andado numa roda viva de tira-o-casaco veste-o-casaco) e queriamos aquecer-nos. Percebemos que se estava a aproximar a hora de almoço e, coincidentemente, estávamos próximos de um sítio que levávamos marcado: o café El Brillante. E, em verdade vos digo: nunca lá teria entrado (ou entrava e saía) se não tivesse lido as recomendações. Tem ar de tasca, as pessoas comem ao balcão e o atendimento não é a coisa mais fofa do mundo. Mas comemos a especialidade da casa - os calamares - e uma deliciosa paella e não nos arrependemos.
A seguir o nosso maior golpe de sorte. Logo vos conto, no último capítulo da saga.
Já não tenho o dom de me espantar com as coisas que me deixam triste. Mas muitas vezes ainda me supreendo com as que me deixam genuinamente feliz. Como as coisas que não são minhas e as sinto pelo menos num terço, metade, quase inteiras, como se fossem. Porque pertencem a alguém que a vida me deu a pertencer.